MONTEVIDEO
J. B. LIMA
A capital do Uruguai
é uma das mais belas cidades da América do Sul. Situada numa planície, às
margens do Rio da Prata, caracteriza-se pela existência de inúmeras praças,
muito arborizadas, a maioria cercada por edifícios de arquitetura antiga, quase
todas contendo majestosos monumentos. Sua orla marítima é bem cuidada, muito
extensa e ajardinada, possuindo um calçadão agradável para quem deseja fazer
suas corridas e caminhadas. As águas do rio se confundem com as do Oceano
Atlântico, fazendo limites com a Argentina, possuindo uma largura de centenas
de quilômetros entre os dois países. Na parte turística, Montevideo se destaca
possuindo uma excelente rede de hotéis, diversas casas de tango, teatros e
muitos passeios interessantes. Possui, também, uma boa quantidade de
restaurantes, churrascarias, principalmente, dada a excelência de sua carne. Um
dos lugares em que se sobressai, é o Café Carlos Gardel, que tem em sua calçada
fronteiriça a estátua do cantor sentado em um banco, com espaço para fotos com
turistas. No Uruguai o jogo permitido, existindo diversos cassinos. Mayra, uma
uruguaia bonita, 23 anos, solteira, bailarina clássica, pertencente a uma
família de classe média, moradora em uma boa casa com seus pais, num bairro
também de classe média, costumava, pela manhã, fazer suas corridas todos os
dias, pelo calçadão da orla. Bonita, com um corpo invejável, era uma das
atrações do local. Rodolfo, professor de educação física, também é frequentador
do espaço. Bem-apanhado, 25 anos, vinha há já um certo tempo, tentando se
aproximar de Mayra. Apenas, só um bom-dia, até amanhã, era o que conseguia, no
máximo. Até que, um dia Mayra pisa numa pedra e sofre uma queda. Mais que
depressa, estando um pouco atrás da moça, vai socorrê-la.
Cléa Magnani
Com a ajuda de Rodolfo Mayra tentou se levantar, mas
soltou um gemido e não conseguiu andar. Se deixou amparar pelos braços fortes
do rapaz que a conduziu ao Pronto Socorro mais próximo. Depois das radiografias
o Médico disse: A senhorita torceu o tornozelo. Precisa enfaixá-lo, e ficar em
repouso. Rodolfo a levou para casa. Ao verem Mayra com o pé enfaixado, seus
pais se assustaram. Ficaram muito agradecidos ao rapaz que prometeu voltar para
saber como ela estava passando. Bailarina, Mayra não se conformava pelo tempo
em que teria de ficar imobilizada. Estava em treinamento intensivo para um
grande espetáculo que estava sendo preparado, e seria apresentado no Teatro
Solís em 25 de Agosto, na abertura da semana de comemorações da
Independência Uruguaia. Findo o prazo do tratamento, seu tornozelo ainda
inchado e dolorido, precisaria de muita fisioterapia para estar em dia dali a
três meses. Rodolfo a levava para os exercícios a cada dois dias. Desde o dia
do tombo de Mayra ele passou a se dedicar à jovem como se já a conhecesse, ou
como se fosse ele o responsável pelo acontecido. Porém Rodolfo era noivo de
Arianna que sofria com o que dizia ser um descaso para com ela.
Finalmente chegou o dia da apresentação. A abertura, com o corpo de baile do
Teatro Solís foi sensacional. Mayra, dançou como nunca. Rodolfo e Arianna foram
à apresentação. Ele aplaudia entusiasmado, enquanto que Arianna,
visivelmente contrariada, não soltava seu braço.
Deomídio Macêdo
A relação entre Rodolfo e Arianna estava desgastada há algum tempo e naquela noite do espetáculo do
corpo de ballet, apresentado no Teatro Solís, do qual Mayra era dançarina,
piorou a situação entre o casal, quando ela percebeu o interesse do seu noivo
por Mayra. O ciúme tomou conta do coração da jovem e quando Rodolfo a conduzia
para casa, a moça vociferava com raiva e num impulso mais agressivo arrancou a
aliança do dedo e lançou no peito do mancebo. Com aquela cena a moça encerrou o
compromisso de noivado. Mayra continuava fazendo as suas apresentações no
teatro Solís, mas Rodolfo nunca mais apareceu para prestigiá-la. Até que um
dia, ela o enxerga, mais uma vez, sorridente na plateia, aplaudindo-a. Ao final
do show, Rodolfo se aproxima da bailarina, beija a sua face e parabeniza pelo
belíssimo trabalho realizado. Entre uma conversa e outra, o professor de
educação física informa sobre o término do seu noivado. Com a maravilhosa
notícia, Mayra o arrasta pela mão e o convida para ir com seus colegas ao Café
Carlos Gardel. Em seguida, visitaram a fonte dos cadeados, considerada a fonte
do amor, e ali naquele local mágico eles se beijaram. Um ano depois daquele
encontro, já estavam casados e para completar a família nasceu uma linda
menina. Alguns anos depois, Mayra estava grávida novamente. No quarto mês de
gravidez, ao realizar a ultrassonografia, o doutor diagnosticou o feto com
anencefalia. Aquela notícia foi um choque para o casal. Eles procuraram outra
clínica e o resultado foi confirmado. O que fazer agora? Abortar? “Nem sempre
podemos escolher a música que a vida toca, mas podemos escolher o jeito de
dançar", com responsabilidade.
Alberto Vasconcelos
Abatidos pela fatídica notícia, foram rezar na matriz e em
suas preces pediram à Padroeira Virgem da Assunção que a criança nascesse
normal. Mas os exames eram conclusivos, havia a anencefalia e a opção adequada
era o aborto conforme dissera o médico. Antes de voltarem para casa, resolveram
passear no calçadão. Naquele mesmo calçadão aonde anos atrás um tombo durante a
corrida unira suas vidas. Havia turbilhão em suas mentes depois da conversa que
decidiu pelo aborto, afinal a má formação do feto é absolutamente irreversível.
Diferente de suas mentes, as águas da bacia do Rio da Prata estavam serenas
como um lago apesar das lufadas do vento pampeiro. Calados e esgotados
sentaram-se num dos bancos do calçadão para observar os cachorros quando um
deles, ao se soltar, veio enrodilhar-se aos pés de Mayra. O passeador de cães,
chegou em seguida com mais seis animais e desmanchando-se em desculpas procurou
recolocar a coleira no belo animal, mas ele permanecia enredado entre as pernas
do casal. Mayra ficou de pé e o rapaz procurou tranquiliza-la dizendo que os
animais eram dóceis e, continuando a falar disse: meu nome é Serafim e eu tenho
um recado para lhes dar. Apesar do drama terrível que vocês estão vivendo, nada
é impossível para aqueles que acreditam no poder da oração e na intercessão da
Virgem dos Trinta e Três. O filho de vocês nascerá tão belo e forte quanto as
flores dessa corticeira e num gesto, quase mágico, enquanto se afastava,
entregou a Mayra a flor símbolo do país. Uma centelha de esperança iluminou os
rostos do casal. Como aquele rapaz, que sumiu no meio do povo, sabia do
problema deles? Há mais coisa entre o céu e a terra do que pode imaginar a
nossa vã filosofia?
José Bueno Lima
“A fé vê o invisível, acredita no que é inacreditável e recebe o que é impossível”
(Martinho Lutero).
Mayra e Rodolfo estavam pasmos com o acontecido e combinaram de todos os dias irem à Igreja Padroeira Virgem de Assunção. E, assim procederam. Cada vez mais acreditavam nas palavras do desconhecido Serafim. A gestação de Mayra se desenrolou tranquilamente. Resolveu o casal evitar novas visitas ao ginecologista ou efetuar novos exames. A par de todas essas vicissitudes, apesar da jovem não ter condições de praticar a dança, Rodolfo progrediu financeiramente, pois como em toda parte, o Uruguai foi atacado pela febre das academias de ginásticas. Em pouco tempo ele conseguiu montar a sua e ainda, negociar, em forma de franquia, um bom número de congêneres. O tempo, que não tem freios, continuou correndo até chegar ao grande dia do parto. Mayra foi hospitalizada, houve parto normal, e nasceu um lindo menino, para alegria do casal, principalmente para Rodolfo. Perfeito, totalmente são. O caso, como era de se esperar, causou enorme repercussão em todo o país e na mídia internacional. Tão grande foi o assédio, que eles foram obrigados a transferir a residência para um destino ignorado até as coisas se acalmarem. Bem situado financeiramente, o casal resolveu cumprir uma promessa que fez após a predição de Serafim, de constituir uma fundação, com fins de auxiliar de todas maneiras possíveis, parturientes com problemas durante o período pré-natal, de modo especial, as que não tinham condições financeiras. E chamaram a instituição, de Fundação Anjo Serafim, o de seis asas e o que mais perto está de Deus.